Em Teixeira de Freitas, um processo aberto pelo Tribunal de Justiça para apurar diversas infrações que teriam sido cometidas pelo Cartório de Registro Civil do Distrito de Cachoeira do Mato deixaram grande parte dos documentos elaborados nesse tabelionato sob o manto da suspeição. Para se ter ideia, entre as irregularidades investigadas estão escrituras assinadas fora da cidade, escrituras lavradas sem numeração, fornecimento de minuta aos despachantes com o timbre do Tribunal de Justiça da Bahia, lavratura de escrituras de compra e venda com base em certidão de ônus desatualizada, lavratura de escrituras com procuração fora do prazo de validade, com área do imóvel divergente da certidão de ônus apresentada e sem consulta à central de indisponibilidade.
Isso coloca em suspeição milhares de contratos, documentos, laudos e certidões que serviram para a liberação, em bancos federais como Caixa e Bancos do Brasil, de empréstimos e subsídios no valor de centenas de milhões de reais a construtoras sediadas no município. O caso é grave e cabe ao Ministério Público Federal examinar a veracidade dos documentos apresentados por essas construtoras, porque não é difícil encontrar casos de fraudes envolvendo empreiteiras no país, quase todas envolvendo falsificação de documentos.
Lembram da construtora Delta, do empreiteiro Fernando Cavendish, do Rio de Janeiro, que confessou ter pagado propina ao ex-governador Sérgio Cabral? A Delta era considerada uma das mais poderosas construtoras do país e vivia tempos de bonança com a ajuda do governo federal, mas quando as falcatruas do ex-governador do Rio Sérgio Cabral foram descobertas, a casa caiu também para Cavendish, que acabou condenado a quase 12 anos de reclusão. Entre as denúncias contra a Delta consta o uso de documentos falsos para conseguir se habilitar e vencer licitações em âmbito nacional.
Um diretor da empresa fraudou dois documentos para conseguir uma Certidão de Acervo Técnico (CAT), necessária para que a Delta pudesse concorrer na licitação. Foram falsificados o Atestado de Capacidade Técnica – que descreve serviços não executados pela empresa – e a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART). O Ministério Público encontrou um erro grosseiro: cada texto apresentou um valor diferente do contrato. Também constavam erros como numeração em duplicidade, ausência de carimbos e de assinaturas.
Outro caso envolvendo construtoras e falsificação de documentos foi descoberto em 2016, quando uma operação da Polícia Federal (PF) desarticulou uma quadrilha responsável por lesar a Caixa Econômica Federal, por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida, em aproximadamente R$ 220 milhões.
Donos de empreiteiras que construíam unidades do Minha Casa, Minha Vida ofereciam de R$ 1 mil a R$ 3 mil para quem comprasse suas casas, utilizando benefícios concedidos pelo programa do governo federal, como preços menores, longos prazos de quitação e juros baixos. A investigação apontou indícios de participação de funcionários da Caixa, uma vez que parte dos compradores conseguiu financiamentos imobiliários do banco mesmo não apresentando renda suficiente para obtê-los. De acordo com a PF, um grupo de contadores, a pedido dos donos das construtoras, teriam produzido declarações de Imposto de Renda falsas. Com elas, os futuros mutuários burlavam as exigências do banco e tinham acesso aos financiamentos.
Funcionários públicos
Como se vê, os esquemas também geralmente envolvem funcionários dos próprios bancos e de cartórios. O esquema fraudulento que levou a Construtora Delta a se tornar uma das maiores do país, por exemplo, atuou através do suborno de políticos e servidores públicos para obter contratos.
Em outro caso envolvendo uma construtora do Maranhão, o Ministério Público Federal (MPF) descobriu que a Caixa Econômica Federal liberou mais recursos do programa Minha Casa, Minha Vida do que o declarado pela instituição ao firmar os contratos de financiamento e que tal montante foi desviado, em uma fraude que rendeu aos envolvidos uma soma milionária.
À frente do esquema estaria a construtora Vasconcelos, que abriu processo de falência em junho do ano passado e abandonou todos os empreendimentos imobiliários que estava tocando em São Luís, deixando centenas de mutuários e funcionários no prejuízo.
Para esconder o golpe, a Caixa aposentou alguns ex-dirigentes e servidores do banco envolvidos no golpe. As aposentadorias em série chamaram a atenção do MPF, que decidiu proibir a instituição financeira de colocar outros funcionários na inatividade até que a investigação fosse concluída.
Para retomar as obras abandonada pela Construtora Vasconcelos, cujo dono fugiu para o Caribe, a Caixa negociou o custeio do restante das construções com uma seguradora, acionada após a falência da Vasconcelos.
Material de má qualidade
Mas as falcatruas das construtoras espalhadas pelo Brasil não se resumem a desvio de dinheiro e falsificação de documentos. Quem não se lembra do caso do Edifício Palace 2, que desmoronou em 1998, no Rio de Janeiro. O edifício foi feito pela Construtora Sersan, que pertencia ao engenheiro e deputado federal Sérgio Naya. Investigações da Polícia Civil concluíram que a falha que resultou no desabamento do edifício Palace 2 ocorreu na execução da obra, devido ao uso de material de construção de má qualidade. Teria sido usada areia de praia na concretagem dos pilares, que acabaram cedendo.
Denúncias de material de péssima qualidade usado pelas construtoras em obras do Minha Casa, Minha Vida são constantes pelo país inteiro. Em Teixeira de Freitas não é diferente, e há centenas de queixas de moradores cujas casas racharam ou apresentaram outros graves defeitos logo após a entrega das chaves. Como as empreiteiras recebem dinheiro do governo federal para construir essas casas populares, cabe ao Ministério Público Federal também investigar essas denúncias.
A pergunta que fica no ar é se tem funcionários de instituições em Teixeira de Freitas recebendo “favores” para liberar documentos.
(Foto: Portal Dia Online)
